O Ministério Público Federal (MPF) iniciou uma série de reuniões com representantes de diversos movimentos sociais no Rio Grande do Norte. Os encontros são conduzidos pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto, Emanuel de Melo Ferreira, seguindo recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Já foram realizadas três reuniões e uma inspeção ministerial, compondo atuação inicial do MPF para ouvir e identificar demandas dos segmentos da sociedade.
Em 25 de maio, o encontro foi com líderes de movimentos sociais sobre questões agrárias. Emanuel Ferreira informou que a reunião teve como objetivo conhecer um pouco mais sobre a história dos movimentos sociais e agrários e os desafios que enfrentam no estado potiguar. “A minha intenção é ouvir as demandas e saber como o MPF pode contribuir para garantir direitos”, afirmou.
Na reunião, por videoconferência, os representantes de organizações ativistas elogiaram a iniciativa do MPF, destacando que a oportunidade de compartilhar desafios com grandes instituições é inovadora e pode contribuir para mudar o olhar da população e do poder público sobre demandas dos movimentos. Os participantes reforçaram o interesse em debater pautas de forma social, não apenas dentro do Judiciário. Além disso, solicitaram a contribuição do MPF em cursos promovidos pelo movimento a fim de explicar sobre o funcionamento do órgão e do Judiciário às famílias.
Visando a antecipar a solução de conflitos, o procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto questionou os participantes sobre as ações realizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ao longo do mês de abril, considerado Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária. As ocupações ocoreram em Macaíba, Riachuelo e Ielmo Marinho (RN). Segundo os presentes, as áreas eram improdutivas há anos, o que garantiu o apoio das comunidades locais aos integrantes do MST.
Além do plantio, os participantes lembraram que os movimentos sociais e agrários no estado também desenvolvem ações de formação, incluindo educação ambiental. O procurador foi convidado para conhecer um desses exemplos, em um acampamento na região da Chapada do Apodi (RN), em data a ser marcada oportunamente. Segundo os representantes, o acampamento é um dos mais produtivos da região, com plantação variada de alimentos e criação de animais.
Refugiados venezuelanos – A primeira reunião ocorreu em 17 de maio, na sede do MPF em Mossoró (RN), com a doutora e professora da Universidade do Rio Grande do Norte (UERN) Eliane Anselmo da Silva para discutir a situação de refugiados venezuelanos. Segundo Eliane, cerca de 69 venezuelanos vivem em abrigo no município de Mossoró, em situação precária, sem condições básicas de higiene e moradia. A única fonte de renda dos refugiados, de etnia Warao, é o auxílio federal do Bolsa Família.
Em 22 de junho, o MPF realizou inspeção na residência que abriga os refugiados indígenas e constatou que há falta de abastecimento de água constante; somente há energia elétrica à noite; não há segurança no local, tendo ocorrido recentes furtos; os banheiros são completamente inadequados; e as crianças menores de seis anos continuam sem acesso à rede de ensino pré-escolar.
Além disso, foi relatado que o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), órgão que desenvolve ações de assistência social como disponibilização de cestas básicas, não estaria atendendo adequadamente o grupo ao ignorar a diversidade cultural existente, não havendo contato prévio efetivo ou busca por entendimento intercultural.
Ao fim da inspeção, o procurador da República explicou para os membros do grupo que é papel do MPF promover a proteção dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais dos povos indígenas, defendendo judicialmente os respectivos direitos e interesses, nos termos do artigo 129, V, da Constituição. Nesse sentido, declarou que o MPF envidaria todos os esforços possíveis para superar o dramático cenário vivenciado, especialmente atuando nas ações civis públicas já ajuizadas pela Defensoria Pública da União e investigando a possível prestação de serviço inadequado por parte do Cras, determinando a instauração de notícia de fato.
Comunidades de terreiro – Também em 17 de maio, o procurador regional dos Direitos do Cidadão substituto recebeu representantes do Fórum das Comunidades Tradicionais de Terreiros de Matriz Afro-Ameríndia de Mossoró. O grupo foi criado em 2019 para mapear as comunidades da região. Na abertura do encontro, Emanuel Ferreira ressaltou que “o MPF é uma instituição permanente e essencial para a proteção de direitos coletivos, entre eles, a igualdade e a busca por não discriminação, enfrentamento do racismo estrutural e consequente intolerância contra religiões de matriz africana”.
Na ocasião, o procurador se comprometeu a analisar a viabilidade de representação de inconstitucionalidade contra a Lei 11.201/2022, por eventual ofensa às regras de competência legislativa e discriminação. No projeto de lei, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) havia proposto a implementação obrigatória da disciplina Educação para as Relações Étnico-Raciais. Contudo, somente após a publicação da lei, tomaram ciência de que a disciplina foi incluída de forma extracurricular, o que não promoveria o adequado enfrentamento do racismo estrutural.
Ao fim da reunião, Emanuel Ferreira afirmou que buscará meios para contribuir com o debate acerca de projetos de lei em tramitação na Câmara Municipal e na Assembleia Legislativa do Estado, voltados para o reconhecimento da Louvação ao Baobá como patrimônio cultural e imaterial. Assim, foi determinada a instauração de notícias de fato a fim de instruir a possível representação de inconstitucionalidade perante a Procuradoria-Geral da República, bem como viabilizar possível realização de audiência pública em torno da referida manifestação cultural.
Recomendação do CNMP – Na Recomendação 61/2017, o CNMP sugere aos ramos do Ministério Público que promovam encontros com movimentos sociais. Entre os objetivos dos encontros, estão: aproximar os membros das demandas da sociedade; identificar eventuais ameaças aos direitos fundamentais; contribuir para o aprofundamento da democracia e da participação social, capacitação das lideranças dos movimentos sociais sobre os serviços prestados pelo órgão na defesa dos direitos, e estabelecer metas.
No documento, o CNMP define movimento social como toda manifestação coletiva e organizada da sociedade civil para fins lícitos, com o fim de obter visibilidade e conferir voz política a demandas objetivamente identificáveis, como combate ao racismo, defesa dos direitos de minorias, reforma agrária e proteção a direitos fundamentais, como saúde, moradia, educação, entre outros.